Ela vai envelhecer



Ela vai envelhecer para o porteiro.
Ela vai envelhecer para os colegas.
Ela vai envelhecer para suas amigas mais próximas.
Ela vai envelhecer para seus vizinhos, que disputam flores nas varandas.
Ela vai envelhecer para seus amigos de infância, que somente conhece pelos apelidos.
Ela vai envelhecer para seus animais de estimação, mortos e vivos, lembrados e esquecidos.
Ela vai envelhecer para a floricultura da esquina.
Ela vai envelhecer para a menina da janela que espera a mãe voltar do almoço.
Ela vai envelhecer para seus filhos, que comentarão que ela já não é a mesma.
Ela vai envelhecer para seus netos e netas, que a tratam com o amor maior do mundo.
Ela vai envelhecer para seus admiradores, que ainda dirão que está conservada.
Ela vai envelhecer para as balconistas do supermercado, dos bancos, das lojas.
Ela vai envelhecer mudando de roupa, conferindo o batom no espelho, alisando o quadril pelos bolsos de trás.
Ela vai envelhecer a cada gripe mal curada, a cada choro engasgado.
Ela vai envelhecer ao estender suas toalhas.
Ela vai envelhecer ao aproximar incrivelmente os olhos dos livros.
Ela vai envelhecer em sua melhor risada.
Ela vai envelhecer ao cobrir as rasuras da geladeira com imãs, as falhas das prateleiras com fotos.
Ela vai envelhecer para seus irmãos que moram longe.
Ela vai envelhecer quando alguém abraçá-la na rua: “não acredito que é você”.
Ela vai envelhecer ao desistir da calça de cintura baixa.
Ela vai envelhecer para os garçons, para os mendigos, para os vendedores de jornais.
Ela vai envelhecer, por mais que seu rosto não se apresse no bom-dia ou suas pernas cancelem o boa-noite.
Ela vai envelhecer descendo as escadas.
Ela vai envelhecer ao sair do cinema.
Ela vai envelhecer quando não for compreendida, continuará envelhecendo ao ser entendida.
Ela vai envelhecer tomando banho de sol, de mar, de vento.
Ela vai envelhecer ao perder a contagem dos números romanos.
Ela vai envelhecer com as veias saltando em sua pele de vidro.
Ela vai envelhecer ao trocar as sardas pelas manchas.
Ela vai envelhecer ao suspirar. Ela vai envelhecer com sapatos usados uma única vez.
Ela vai envelhecer ao não dar conta do serviço.
Ela vai envelhecer pela cervical.
Ela vai envelhecer ao escorregar os pés para o fundo das poltronas do carro.
Ela vai envelhecer ao deixar cair o guardanapo da mesa.
Ela vai envelhecer ao escutar a música favorita de sua adolescência.
Ela vai envelhecer ao tingir seus cabelos brancos.
Ela vai envelhecer como um pião envelhece na corda, como uma colcha envelhece em seus retalhos, como uma criança envelhece ao aprender a escrever, como um dia ensolarado ao entardecer, como um pássaro sumindo no horizonte, como um rio em direção ao mar,
como uma palavra não dita.

Ela vai envelhecer para os outros. Todos os outros.
Eu é que não saberei de nada disso envelhecendo junto com ela.

Fabrício Carpinejar

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