Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu
Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos
edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

2 commentaires:

Al Reiffer a dit…

Sim, são de minha autoria. Claro, podem divulgar. Fico muito grato. Abraços.

Jorge/cia.ltda. a dit…

bárbaro, amigo!! fantástico.
Porém, por outro lado. è tudo tão insosso,tão inútil, nada adianta, que nisso acaba por descortinar-se um deleite: o deleite de ser para nada. Que depõe todas as perseguições: do amor, do dinheiro, e talvez aí a vida se faça, não pelo útil, mas pelo nada. Não pelo que quero, mas pelo que é. Que é como o vento sopra.